BELÉM E A COP30
Quando a ganancia explora o turismo, quem perde é o turista. O maior exemplo disso foi o Hotel Nota 10 que mudou de nome e passou a cobrar “apenas” 80 vezes mais pela diária na COP30 (o valor, que era de R$ 70 por dia, passou a ser de R$ 5.670,00). Em uma das coloridas e desgastadas ruazinhas do centro histórico de Belém, o Hotel COP30 oferece vagas para 40 hóspedes. No local, funcionava um motel. Logicamente que está às moscas e não fechou até agora com absolutamente nenhum cliente. Já em agosto, o estabelecimento informou que custo da estadia acompanhava valores praticados durante o evento (evidentemente se fosse acontecer em Luxemburgo, Bruxelas…) e que pretendiam alugar o edifício para alguma delegação estrangeira.

O nosso desgoverno idealizou a COP30 em Belém para dar visibilidade à maior floresta tropical do planeta, que tem em seu governo o maior índice de queimadas e desmatamento de todos os tempos. Longe da utopia do megalomaníaco, a Capital do Estado do Pará se deparou primeiro com um déficit de acomodação e depois com uma disparada nos preços. Para aliviar, o Brasil programou a cúpula de chefes de Estado para 6 e 7 de novembro, antes da conferência prevista entre os dias 10 e 21. Mas não foi suficiente.

Vários países sugeriram em julho uma mudança de sede. A ONU pediu ao Brasil que subsidiasse os aluguéis para as delegações. O governo se recusou. Por enquanto, apenas 68 dos 198 países participantes pagaram suas reservas. “Isso nunca aconteceu, normalmente dois ou três meses antes da conferência todos os países já têm acomodação”, diz à AFP Marcio Astrini, secretário-executivo da rede ambientalista Observatório do Clima. “É um evento de uma magnitude que Belém nunca esperou e os valores acabaram ficando desordenados, cada um colocou seus valores e alguns fora da realidade”, reconhece o gerente Alcides Moura.

O Brasil lançou em agosto um grupo de trabalho para ajudar os delegados a conseguirem melhores condições. “A oferta de leitos está garantida”, afirmou à AFP o governador do Pará, Helder Barbalho, embora admita que ainda seja necessário “combater as abusividades”. Enquanto isso, Ronaldo França, um aposentado de 65 anos, alugará pela primeira vez sua casa de fim de semana nos arredores da cidade, a 25 quilômetros do centro de convenções. Com três quartos de casal e piscina, ele pede US$ 370 (cerca de R$ 2 mil) por noite. Já foi contatado por interessados chineses. As autoridades calculam que 60% dos participantes devem se hospedar em propriedades particulares. Os hotéis estão “quase todos cheios”, segundo Toni Santiago, presidente da associação de hotéis do Pará.

O setor já movimenta R$12 bilhões na região: Bioeconomia poderia criar 833 mil empregos e atingir R$38,6 bilhões na Amazônia até 2050, diz estudo
Com infraestrutura limitada, a cidade recebeu mais de R$ 4 bilhões em investimentos para obras públicas devido à COP, entre elas o Parque da Cidade, um gigantesco centro de convenções arborizado onde ocorrerá o evento. Já a organização rejeitou um pedido do governo para fixar preços que considerou irrisórios: “Isso não existe em nenhum grande evento no mundo, porque Belém tem que ser a vira-lata da história?” Para reforçar a oferta, o governo disponibilizou dois navios privados que oferecerão 6 mil camas, embora estejam a 20 quilômetros do evento. O Airbnb anunciou dias atrás que a média de preços caiu 22% desde fevereiro. Porém, no Airbnb, Booking e na plataforma oficial de hospedagem, é difícil encontrar tarifas diárias próximas a US$ 100 (cerca de R$ 545), o valor que a ONU exige para delegações de baixo orçamento. Hoje o valor gira de U$ 600,00 a diária. Nenhum cruzeiro no Brasil tem esse preço.

Dessa forma, esta COP pode ser a menos inclusiva da história, alertou o Observatório do Clima, preocupado com a hospedagem para a sociedade civil. Seu secretário lamenta que os preços tenham ofuscado o que “interessa de verdade” na COP: “metas climáticas, combustíveis fósseis, financiamento climático”.

Leia ainda: Nosso turismo interno bateu recorde histórico no primeiro semestre de 2025
