BRASIL NO CONTRA ATAQUE
Por Mariluz Coelho/João Ramid | Especial para o POD

Brasil no contra-ataque a um inimigo desconhecido e perigoso. A necessidade de respostas eficazes no território brasileiro nunca foi tão urgente diante dos impactos cada vez mais evidentes da crise do clima. Mas, não é possível pensar em gestão de riscos e desastres sem o engajamento direto da população. Embora os países já tenham consciência dessa necessidade, muitos ainda enfrentam dificuldades em transformar essa compreensão em ações concretas. O envolvimento das comunidades não pode ser tratado de forma pontual. É fundamental oferecer informação qualificada e fomentar uma cultura de resiliência contínua. No entanto, o que vemos hoje, tanto no Brasil quanto em muitos outros países, são iniciativas fragmentadas, que acabam sendo insuficientes para enfrentar a magnitude dos desafios climáticos. A mudança precisa ser estrutural e constante, não apenas reativa.
UM TRABALHADOR, UM CACIQUE E UM MINISTRO
Para entender os desafios da gestão dos riscos climáticos no Brasil, ouvimos Maibe dos Santos, trabalhador braçal da cidade de Belém, o cacique Okara Assuri, da região do Xingu, e o ministro das Cidades, Jáder Filho, que em novembro, ao lado do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, liderará em Belém a reunião do Grupo de Trabalho de Redução do Risco de Desastre do G20.
E ESSE CALOR?

Maibe dos Santos, 42 anos, trabalhador do Ver-o-Peso em Belém, Amazônia, lida diariamente com o calor extremo. “Me sinto cansado e sem força”, relata. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta que milhões de trabalhadores no mundo estão em risco de vida devido à exposição ao calor. Dados da ONU indicam que mais de 70% da força de trabalho global enfrenta esse risco. “Antes, eu carregava um saco de açaí sem problemas. Agora, mal consigo devido ao sol”, conta Maibe, que descreve o cansaço e a sede que enfrenta diariamente. “A gente anda um pouco e já não suporta mais. Por que o calor está assim?”, questiona o trabalhador. A pergunta de Maibe reflete a inquietação de muitos brasileiros, especialmente dos mais vulneráveis, que têm pouco acesso a informações sobre os riscos que enfrentam diariamente em suas atividades. O aumento das temperaturas e a falta de proteção adequada colocam essas pessoas em situações de perigo crescente.
ALDEIA ASSURINI SOFRE IMPACTOS

A aldeia Assurini, comandada pelo cacique Okara, localizada no alto rio Xingu, no Pará, está sendo afetada pela seca do rio, que sempre foi a fonte de alimentos (peixe) para os povos indígenas que habitam a região. “A natureza nos dá tudo que precisamos e sempre cuidamos dela para que nunca falte nada para nós”, conta o Okara. Essa relação intrínseca que os povos tradicionais possuem com a floresta amazônica, em uma troca historicamente saudável, um cuidando do outro, está sendo afetada pelo agravamento das questões climáticas. A ONU já classifica que vivemos “um novo normal”. Significa que temos que aprender a ser mais resilientes para uma adaptação aos novos tempos do clima no planeta. Mas, até que ponto o ser humano aguenta mudanças tão buscas no seu modo de vida? “Este verão está estranho”. Com essa frase o cacique Okara Assurini demonstra que, os povos que sempre mantiveram uma relação saudável com a Amazônia, percebem que algo está fora do lugar. O calor extremo já afeta a vida na floresta, mesmo nos locais onde a Amazônia resiste à degradação ambiental, que é o caso das áreas indígena protegidas. O cacique percebe, mas, não sabe dizer o que acontece.
PARTICIPAÇÃO POPULAR

O ministro das Cidades, Jáder Filho, concedeu uma entrevista à Ver Amazônia sobre a gestão de riscos de desastres no Brasil e a urgência de medidas eficazes para fortalecer a resiliência frente ao “novo normal” climático. Em novembro, Jáder, juntamente com o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, coordenará a reunião do Grupo de Trabalho de Redução de Risco de Desastres do G20, que ocorrerá em Belém. A pasta liderada pelo ministro das Cidades é responsável pela prevenção de riscos e desastres no país, sob a gestão da Secretaria Nacional de Periferias. A secretaria já iniciou ações voltadas à conscientização e envolvimento das comunidades. Um exemplo é a cartilha “Periferia Sem Risco”.

Até 2022, a gestão de riscos e desastres no Brasil era limitada a ações da Defesa Civil, com momentos em que o já reduzido orçamento destinado ao tema sequer era utilizado. Com o agravamento da crise climática e a mudança de governo, a questão ganhou destaque e hoje é uma das prioridades nas políticas públicas nacionais. “O orçamento destinado à prevenção de desastres no Brasil nunca foi tratado de maneira tão séria. Quando o atual governo assumiu, em janeiro de 2023, o Ministério das Cidades tinha apenas R$ 27 milhões para investir em prevenção em todo o país”, afirma o ministro Jáder Filho. Segundo o titular do Ministério das Cidades, logo na PEC da transição, esse montante subiu para R$ 256 milhões, chegando a R$ 636 milhões no primeiro orçamento do governo Lula. Além disso, o ministro anuncia que o PAC destinou mais de R$ 15 bilhões para obras de drenagem e R$ 1,7 bilhão especificamente para prevenção de desastres.
FALTA DE PERCEPÇÃO

O Brasil ainda está nos primeiros passos quando se trata de gestão de riscos e desastres. Por não estar na rota de grandes fenômenos naturais, como terremotos, tsunamis e furacões, o país nunca desenvolveu uma cultura sólida de prevenção e segurança entre os brasileiros. A gestão de riscos no Brasil sempre esteve limitada à atuação das forças de defesa. Nos casos de enchentes, secas e deslizamentos, a Defesa Civil era acionada. O ministro das Cidades, Jáder Filho, afirma que essa realidade precisa mudar. “Precisamos abordar o tema de maneira contínua, não apenas de forma pontual”, destacou o ministro. “Não adianta passar quatro anos sem investimentos e depois tentar resolver tudo na crise. A resiliência das cidades depende de projetos permanentes.”
COMUNICAÇÃO COM AS PESSOAS

Mesmo nos países com maior tradição em gestão de desastres, o tema comunicação específica de risco está ausente dos sistemas de governança. No Brasil é praticamente inexistente. Voltamos à pergunta inicial desta edição: como prevenir riscos sem envolver as pessoas? Perguntado sobre a questão, o ministro Jáder Filho ressaltou que a comunicação sobre riscos precisa ser voltada para a prevenção, e não apenas informativa. O ministro destacou o exemplo do Japão, onde as crianças são ativamente envolvidas na criação de uma cultura de segurança. “No Japão, as escolas ensinam como reagir a terremotos e tsunamis, algo central na cultura do país. Queremos trazer essa prática para o Brasil”, disse. Integração na gestão de riscos e desastres Com a previsão de desastres climáticos cada vez mais frequentes e intensos, Jáder também defende a necessidade de ações integradas entre governos estaduais e municipais. Ele também pretende alinhar esforços com o ministro da Educação, Camilo Santana, para implementar projetos educativos nas escolas, inspirados no modelo japonês. “Se queremos enfrentar os desafios climáticos, a prevenção deve estar nos orçamentos de todos os níveis de governo”, afirmou. “As cidades precisam ser sustentáveis e resilientes para enfrentar os eventos climáticos que estão por vir”, finaliza.
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