Sem dúvidas, Beth Schreiner é uma pessoa enérgica e muito comunicativa, assadora por excelência e empresária de talento. Naturalmente nascida no interior do Rio Grande do Sul tornou-se referência em Florianópolis com sua boutique de carnes e restaurante Meat Shop. Todavia, além de sua fantástica história empreendedora, com fortes passagens internacionais, existe uma grande história de superação. Aliás, uma só não, duas. E que tal as duas ao mesmo tempo? Portanto, esta história você não pode dormir antes de ler!
Sabendo o que queria

“Meu nome é Elisabeth Schreiner, mais conhecida como Beth Schreiner, e eu nasci em Santa Cruz do Sul (RS), sendo a terceira geração de uma família de descendência alemã nascida no Brasil. Sendo assim, quando chegaram no Brasill, uma parte da família dedicou-se à metalurgia, pois meu trisavô paterno veio do Sul da Alemanha, onde já trabalhava em uma grande metalúrgica, na cidade de Essen. Logo, da parte de minha mãe vieram imigrantes que se dedicaram ao comércio. Então se percebe que, na minha família, não houve este vínculo com o campo, mas esta é uma paixão muito forte em minha vida desde pequena, pois desde os 12 ou 13 anos de idade eu sabia que queria ser veterinária”. Dessa forma, Beth começa a construir sua trajetória de vida ligada ao Agro.

“Certamente, ser veterinária era um sonho. Inclusive eu pedi na época para meu pai, que ao invés de cursar o Ensino Médio, eu queria fazer Técnico Agrícola, mas ele não permitiu porque era uma escola frequentada só por meninos, naquele então”. Porém, ele disse: ‘Vamos negociar. Você faz um bom segundo grau aqui em Santa Cruz e, depois, você vai realizar seu sonho de ser veterinária’. Logicamente ele tinha razão e, depois de concluir estes estudos, aos 17 anos, eu passei para Medicina Veterinária na UFRGS, em Porto Alegre”. Diante disso, foi assim que o Agro entrou definitivamente na vida de Beth.

Entretanto, havia outros elementos que fortaleciam esta identidade “rural” em Beth. “Com toda certeza, eu sempre fui muito ligada à CTG (Centro de Tradições Gaúchas), porque era uma maneira de eu estar mais próxima dos animais e das lidas do campo. Conquanto, foram os rodeios e as cavalgadas que me proporcionaram esta proximidade com o que eu sempre amei”, segue lembrando que no curso universitário este convívio iria ser aprofundado. “Além disso, durante a faculdade eu pude me aproximar mais disso, através dos meus colegas que tinham fazendas e, nos finais de semana, eu aproveitava e ia com eles para ter mais esta vivência”.
“Depois, claro, na formação profissional eu comecei a estagiar com vários profissionais na área de grandes animais, que me proporcionaram uma visão mais ampla da cadeia produtiva ”. Aliás, durante a faculdade Beth teria já algumas oportunidades de estágio que dariam experiência para construir uma base sólida bem além da academia.

“Um pouco antes de me formar eu tive a oportunidade de ser convidada para fazer o estágio de conclusão de curso em Hanover, na Alemanha, para trabalhar com transferência de embriões. Mas, como o universo conspira ao nosso favor e nós só temos que fluir com ele, pois esta é uma coisa que aprendi ao longo da vida, eu encontrei um amigo no supermercado…” e foi assim que Beth contou a ele que iria para a Alemanha fazer o estágio final no próximo mês, mas ele precisava mesmo era de ajuda com problemas no confinamento de 300 cabeças de gado. O ano era 1994. “Topei ajudar na hora, marquei com ele, fui lá de tarde e revisamos as instalações e os animais. Havia um surto muito grande de IBR, que é uma doença respiratória bovina grave”.
O confinamento precisava passar por uma série de melhorias e Beth se envolveu profundamente naquele trabalho ao longo de uma semana e, ao final, o presidente da empresa lhe perguntou se ela realmente precisava cursar o estágio na Alemanha, ou seja, eles a queriam estagiando na empresa. “Acabei ficando no Brasil e estagiando com eles por cinco meses em Santa Cruz”.
Da Medicina Veterinária para a arte dos Cortes Nobres

“Neste mesmo período eu acabei me casando e constituindo família, sendo que fiquei casada por 16 anos. Esta também foi uma fase de muita dedicação à assessoria agropecuária, na construção de confinamentos, em lavouras de milho, na produção de silagem e na produção de bovinos e ovinos em confinamento. Mas, depois disso, acabei migrando para a indústria frigorífica, através de um grande incentivador que foi o Dr. Armando Garcia de Garcia. Ele me convidou para tomar conta do controle de qualidade de seus cortes ovinos”. Esta migração profissional pode ser apenas um detalhe de currículo, mas aqui começava um outro grande movimento na vida de Beth.

Era 1998 e Beth iniciou seu contato com os cortes de cordeiro e as coisas começaram a seguir seu fluxo, ela juntamente com um parceiro zootecnista já haviam montado seu próprio confinamento. “Disso surgiu uma marca de carne que existe até hoje no mercado, a Meat Premium, que se encontra à venda exclusivamente em Santa Cruz do Sul”.
Este empreendimento acelerou muito as coisas. “A partir deste momento eu passei a trabalhar ainda mais dentro do frigorífico, acompanhando todas as etapas: embarque, desembarque, abate, desossa, carregamento dos caminhões e recepção nas redes de supermercado”. Beth passou também a atuar em frente às gôndolas dos supermercados três vezes por semana. “Com isso eu aprendi muito com o consumidor final e fui evoluindo nos quesitos de cortes, apresentação, embalagens e porcionamento, o que me levou a fazer muitos cursos, mas sendo que o grande professor foi mesmo o frigorífico, pois lá foi uma grande escola ”.

Mas, os problemas também acontecem para nos pôr à prova de superação. E isso Beth iria ter que vivenciar cada vez mais. “Em 2000, uma das redes de supermercado que atendíamos entrou em concordata e este foi o nosso primeiro grande desafio, para não chamar de tombo, pois ficamos com cinco semanas de carnes sem recebimento, o que só ocorreu dois anos depois. Por sorte éramos pessoas sérias e bem quistas, sendo que recebemos um apoio muito grande do Banco do Brasil”.
Porém, neste mesmo ano de 2000, antes do susto, Beth cursou Formação de Empreendedores em Agronegócio, na Universidade Sebrae de Negócios, em Porto Alegre. “Foi um divisor de águas para mim, pois as aulas eram ministradas por professores do grupo PENSA da USP e por grandes profissionais do Agro, sendo que cada um dos alunos deveria apresentar um projeto de empreendimento. Foi assim que surgiu o projeto-piloto de uma boutique de carnes em minha vida. Para iniciar esse projeto montei uma sociedade com uma grande amiga, Jane Shultz Kops”.

Este projeto, hoje, é a Meat Shop, o renomado restaurante e boutique de carnes em Jurerê Internacional, Florianópolis (SC). “Neste ano de 2021 estaremos completando 20 anos, isso é motivo de muito orgulho”. A primeira loja foi aberta em Santa Cruz do Sul e durou dois anos e meio, pois o sucesso do empreendimento a levou naturalmente para Florianópolis.
“Se é para ser uma capital, tem que ser Florianópolis, pois além do campo a minha grande paixão é o mar, a praia. Eu vim para cá em 2003 buscando qualidade de vida e expansão. Naquele verão, já percebemos que esta era uma decisão acertada”. Beth fechou a loja em Santa Cruz e passou a seguir seus objetivos de vida. “Não tive filhos e costumava dizer que a Meat Shop era meu filho. Mas, agora descobri que este negócio que construí do zero é, na verdade, o meu patrão. É muito bom ter construído toda esta história de sucesso baseada em seriedade e respeito”.
Meat Shop, Argentina, Uruguai, Londres e surpresas

A Meat Shop atuou exclusivamente como boutique de carnes entre 2001 e 2006, quando chegou o momento de mais uma expansão. “Em 2006, durante uma feira agropecuária na Argentina, em Palermo, tive a oportunidade de fazer um teste para participar de um curso de Maestro Assador, promovido pelo IPCVA, que é o Instituto de Promoção da Carne Bovina Argentina. Eu passei no teste e fiquei uma semana recebendo uma série de conhecimentos e aulas práticas sensacionais. Quando voltei de lá tive a ideia de montar um pequeno espaço nos fundos da loja para dar aulas de churrasco para pequenos grupos. Com o tempo e os pedidos dos clientes, esta área virou um pequeno restaurante”.

A partir daí, entre 2007 e 2016, Beth usou todas as suas férias anuais para se especializar em dois países: Uruguai e Argentina. “Estas culturas são ícones na arte dos assados e eu fiz estágios por lá em restaurantes, frigoríficos e até em propriedades rurais. Isto me trouxe um conhecimento incrível em como apresentar, processar e assar a carne”.
Mas, em 2016, uma nova oportunidade se apresentou para ela: “Eu fiquei por dois meses e meio em Londres, na Inglaterra, estagiando em uma grande rede de restaurantes, Gaucho Restaurant, onde trabalhei com o grande chef argentino Fernando Larroude. Também tive a oportunidade de estagiar com um dos maiores parilleros de todos os tempos, Daniel Veron, que tem o conceituado The Bull Steak Expert, lá mesmo e em Düsseldof (Alemanha)”.
Beth volta para Florianópolis no final daquele mesmo ano com uma certeza em mente: “O que eu estava fazendo era o certo. Também, a qualidade dos meus produtos não deixava nada a desejar do que eu havia visto em Londres. Mas, claro que lá aprendi muito sobre atendimento e apresentação dos pratos, além de conhecimentos na área de vinhos e outras novidades”.

Em 2017, Beth abriu uma filial de venda de carnes em Jurerê, Florianópolis. Mas, ao mesmo tempo, adoeceu. “Eu entrei em um processo de astenia e meu diagnóstico foi de stress. Foi muito forte e eu acabei ficando meses em casa, sem forças, sem entender o que estava acontecendo. Foi quando, em 19 de outubro, o Dia Mundial de Prevenção ao Câncer de Mama, durante uma mamografia de rotina, eu fui diagnosticada com câncer de mama. A partir deste momento, fui maravilhosamente bem atendida e acolhida por médicos e amigos. Durante dois anos tive que me afastar parcialmente dos negócios”.
Mas, para quem pudesse supor que Beth estava enfrentando o maior desafio de sua história, a vida planejava ainda mais passagens de superação para atestar sua genialidade. “Eu estava na terceira quimioterapia quando aconteceu algo complicado aqui em Florianópolis, que foram cinco dias de chuva sem parar. Houve uma grande inundação na região onde a loja estava instalada. Foi como uma avalanche que derrubou muros e paredes e nós perdemos toda nossa área de produção, equipamentos, uma câmara fria cheia de carnes. Tudo submerso durante três dias. Nós tivemos que lidar com toda esta situação”.
Beth não pôde estar presente, mas foi feito um grande resgate de tudo por parte de sua equipe e, passado este processo, mesmo estando em tratamento, ela devolveu a casa onde havia funcionado seu maior sonho por 15 anos. “Ali eu tive muitas alegrias, conheci muitas pessoas, mas nós tínhamos uma loja em Jurerê e acabamos transformando o limão em uma limonada”.

Era um recomeço. “Começamos com uma loja muito pequena, depois anexei um espaço lateral, fomos nos reerguendo com ajuda de familiares, amigos, clientes e muito trabalho. Pois além de perdermos tudo de quarta-feira para quinta-feira, na sexta-feira havia chegado um caminhão repleto de carne e nós não tínhamos onde armazenar. Eu tive um insight, gravei uma mensagem para o nosso grupo de clientes explicando o que havia ocorrido e oferecendo desconto para quem pudesse vir comprar um pouco de carne, o que seria uma força incrível. Em 25 horas de trabalho nós vendemos tudo. Foi incrível o apoio das pessoas, que faziam fila em frente das duas lojas, para comprarem os produtos e nos ajudarem”.

Após a superação desta catástrofe, Beth caiu de fato adoecida. Mas, sua força maior é a resiliência e, com a ajuda da medicina e da mente elevada, ela afirma que “passados três anos deste acontecimento eu só tenho gratidão a tudo que aconteceu, tudo o que passei… a doença, a enchente, enfim, só me trouxe ensinamentos. Pois nós conseguimos nos reinventar, pagar todas as nossas dívidas e hoje a loja está exatamente como eu queria”.
“É muito bom poder olhar pra trás e ver que com força e determinação, com uma equipe coesa e unida, a gente consegue dar a volta por cima”. Beth trabalha atualmente na administração da boutique de carnes e do restaurante juntamente com sua irmã Margareth, recebendo as pessoas e repassando seu valioso conhecimento. “Eu faço parte de dois grupos, os Assadores do Bem e As Braseiras, composto somente por mulheres. Temos por missão levar, através da arte do assado, educação para as pessoas. Principalmente mulheres, crianças, produtores rurais, pecuaristas e profissionais das ciências agrárias, para que este conhecimento se expanda e a cadeia produtiva da carne passe a ser mais valorizada”.
